segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Capítulo 13 - Caçada

          - Não é possível! Não é possível! – repetia Hadel enquanto balançava os braços com desespero no lugar em que antes havia o espelho para o mundo lógico. Seus olhos estavam vidrados de cólera e pavor. Os objetos da casa começaram a tremer. Potes e caixas caiam de mesas e prateleiras, enquanto Hadel tentava descontroladamente reunir objetos e poções para tentar em vão reabrir a passagem.
          - Estava aqui! Estava aqui na minha frente! O que aconteceu? O que eu fiz de erra... – antes que terminasse a frase ele se calou. Tudo ficou em silêncio e no escuro.
          Com os olhos esbugalhados, Hadel se virou para o javali escondido em um canto do quarto e começou a murmurar palavras sem sentido. Com as mãos trêmulas, ele agarrou Ragi pelas patas traseiras e o carregou para fora da casa, o olhando fixamente enquanto o animal esperneava tentando se soltar.
          Transbordando de ódio, Hadel ergueu o animal pelas patas traseiras no precipício. O vento estava mais forte que o normal e as gotas de chuva começavam a cair de forma agressiva, impulsionadas pelo vento.
          - Eu deveria te jogar daqui, animal! Acabar com esse tormento que é você! O menino não morreu! Eu vi! E a culpa é sua, seu estorvo!
          Um raio cortou o céu e caiu no topo da falésia fazendo com que a estrutura do precipício estremecesse. O tremor fez com que Hadel se desequilibrasse e soltasse o javali, que por pouco não caiu no abismo e conseguiu correr para dentro do casebre. Hadel o seguiu, começando a se acalmar, mas ainda muito enfurecido. Bateu a porta com força ao entrar e se sentou, ainda molhado da tempestade, em sua poltrona.
          - O menino está em Greenfar, Ragi. Eu vi. O maldito tem o meu livreto! Ele pode ter aberto uma passagem, mas não conseguiu voltar e isso significa que eu ainda posso beber dele o conhecimento que preciso. Vamos viajar, Ragi.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Capítulo 12 - O Teatro (rascunho)


        A preocupação de Luca com Solk já havia diminuido, devido a serenidade do rosto do amigo, ainda adormecido. Sua temperatura ainda se mantinha instável, mas sem grandes alterações. Enquanto observava Solk, a mente de Luca borbulhava com tudo o que havia acontecido, mas principalmente com a visão de Hadel. "Ele sabe que estou vivo."
        A constatação de que Hadel não só sabia que ele sobrevivera, mas também que havia aberto uma passagem era o que mais o preocupava. Será que Hadel sabia que havia mais alguém do mundo lógico em Greenfar? Apesar de torcer pelo contrário, Luca sabia que Hadel o havia descoberto. Era óbvio que Hadel tentaria abrir uma passagem novamente, mas essa conexão entre passagens abertas era novidade.
        Quanto tempo levaria até que Hadel o encontrasse? E Solk? O amigo era sua responsabilidade agora. E como explicar que ele não poderia voltar e que sua vida também havia desaparecido? A confusão na cabeça de Luca parecia não ter fim até um barulho próximo a mesa onde a passagem havia sido aberta interromper seus pensamentos.
        Luca se levantou e foi em direção ao barulho. Algumas vasilhas haviam caído. Quando se abaixou para pegá-las, um grande par de olhos verdes o observava atrás da mesa.
        O dono daqueles olhos não se movia, apenas o observava e por alguns instantes Luca não soube como reagir.
        - O-oi? disse Luca receoso.
        A voz que veio de trás da mesa sussurrou com um doce tom de medo:
        - Quem é você e onde eu estou?
        "Mais uma!", pensou Luca com desespero. Quantas pessoas ele havia trazido para Greenfar?!
        - Eu me chamo Luca e você está em Greenfar. Você está bem? - disse estendendo a mão para ajudá-la a se levantar.
        Por um instante a menina não se moveu, mas não havia opção a não ser sair de onde estava. Suas pernas já não aguentavam mais ficar encolhidas sob a mesa. Ela ofereceu a mão trêmula e ao se levantar teve que ser amparada.
        - Me sinto um pouco mal. Estou com uma dor de cabeça incômoda desde que cheguei aqui, preciso ir para casa.
        Luca pensou em como responder a isso e decidiu que seria um assunto tratado mais tarde.
        - O que está acontecendo? Como eu vim parar aqui? - perguntou a moça.
        - É difícil explicar, talvez mais tarde. Preciso garantir que você está bem. Sente-se aqui, sente alguma outra dor?
        - Não, não. Apenas a mesma dor chata de cabeça, mas nada muito forte. Uma aspirina resolve. Devo ter na minha bolsa.
        Ela puxou a mochila que estava no chão e tirou um comprimido da carteira. Luca trouxe um copo de água e achou graça, já que há muito tempo não via alguém tomando um remédio.
        - Qual seu nome?
        - Lena. O que aconteceu com ele? - respondeu enquanto olhava pela porta para o jovem deitado.
        - O mesmo que deveria ter acontecido com você, mas ele está bem agora. - respondeu Luca, ainda surpreso por tê-la encontrado tão bem. Não parecia que havia acabado de fazer a passagem.
        A resposta de Luca a assustou um pouco.
        - Ainda não entendi como apareci aqui. Esse lugar parece um cenário...
        Ela analisava minuciosamente cada detalhe da casa de Fred quando sua expressão mudou. Era como se algo tivesse ficado muito claro de repente.
        - Ahm...posso ir até a porta?
        Luca não entendeu bem o que estava acontecendo, mas concordou. Ela pegou sua mochila, guardou a carteira e colocou a bolsa nas costas.
        - Não sei se é uma boa ideia você sair agora.
        Ele estava preocupado que outras pessoas da aldeia a vissem.
        Mal Luca terminou a frase e a moça pulou da varanda correndo em direção ao bosque, o mais rápido que podia. Luca sabia que ela não deveria ser vista com aquelas roupas pela Aldeia. E se Hadel estivesse por perto seria muito perigoso para todos eles, então saiu correndo atrás da jovem.
        - Espera! Onde você vai?
        - Vocês não vão me enganar com essa loucura de "Green sei lá o que", eu sei que isso é coisa do meu pai!
        Quando Luca a alcançou, os dois caíram sobre as raízes de uma árvore, já dentro do bosque. Ao se levantar para fugir, o pé da jovem prendeu em uma das raízes e ela caiu.
        - Me escuta! - gritou Luca segurando os dois braços da menina antes que ela conseguisse se levantar.
        - Não adiantar tentar me enrolar! Eu sei que meu pai pagou vocês por esse teatro. Ele não vai me convencer de que eu fiquei louca!
        - Eu não sei quem é o seu pai e você não está achando tudo realista demais para ser um cenário, não? Eu tô tentando te ajudar, você não vê?
        - Eu só vejo o dinheiro do meu pai montando tudo isso aqui, isso sim.
        - Eu te explico tudo, mas você precisa se acalmar e não sair correndo, pode ser?
        A menina olhou para Luca com raiva, mas viu que deveria ceder. Ele não ia soltá-la se ela não se acalmasse.
        - Está bem, pode me soltar.
        Luca não sabia se podia confiar naquele "está bem", mas de nada ia adiantar continuar segurando-a. Assim que ele a soltou, ela se sentou e puxou a mochila para o colo. Quando Luca começou a falar, a jovem puxou algo de dentro da mochila e Luca sentiu uma ardência insuportável nos olhos. Sua única reação foi gritar de dor e ver o vulto da menina correndo para as árvores.

terça-feira, 19 de março de 2013

Capítulo 11 - Chegada (rascunho)


        No instante em que a passagem se fechou, a pequena sala da casa de Fred sofreu uma transformação invisível. Todos ali tentavam entender o que havia se passado, mas um grito fez com que todos olhassem para a mesma direção.
        - Você está vivo!
        Mal terminou a frase e Solk deu um pulo na direção de Luca, o abraçando com tanta força que ele mal podia respirar. Mesmo depois de tantos anos, a diferença física entre os dois continuava notável.
        - Eu sabia, Luca! Eu não sou maluco, estavam todos errados, eu sabia! O que aconteceu com você esse tempo todo, onde a gente está? Olha pra vc! Cresceu! Espero que aqui ninguém mexa com você e se mexer agora eu estou aqui também...e que lugar mais quente, hein?”
        Luca não acreditava que o amigo estava ao lado dele novamente e do mesmo jeito falante que o havia deixado, mas essa felicidade durou pouco tempo quando ele percebeu que agora ambos estavam presos em Greenfar e a vida dele também havia sido apagada...
        - Eu não acredito que você está aqui, Solk! Eu nem sei direito...”
        Antes que pudesse terminar a frase os dois se abraçaram novamente. Palavras não eram suficientes e talvez eles estivessem tentando provar para si mesmos que aquele encontro era real. Até que Luca soltou Solk rapidamente. A temperatura do corpo de Solk estava tão alta que queimava.
        - Luca, o que está acontecendo? Minha cabeça dói e meu corpo está queimando!
        O rapaz olhava para seus braços e pernas e aparentemente não havia na de errado. Fred se aproximou e mal conseguiu tocar na pele de Solk, que parecia pegar fogo. Luca se lembrou de como foi quando ele fez a passagem para o Greenfar. Não seria diferente com Solk, mas ele não se lembrava de nada além de dores de cabeça lancinantes.
        Solk caiu no chão de dor, mas Luca e Fred não conseguiam ajudá-lo por ser impossível tocar em sua pele.
        - Onde está Ayla? É impossível ela ainda não ter percebido o que aconteceu nessa casa – disse Fred abrindo a porta para procurá-la. Antes que a abrisse por completo, alguém a empurrou do lado de fora.
        - É claro que eu percebi! – e entrou como um furacão na sala indo em direção a Solk, que se contorcia no chão. Ao tentar tocá-lo percebeu que algo de muito errado acontecia.
        - Ele não vai resistir a essa temperatura, precisamos equilibrá-lo agora, mas não sei se será possível. Existe muita energia causando isso.
        A curandeira se sentou com cuidado ao lado do corpo de Solk, que estava prestes a perder a consciência e aproximando as mãos de sua cabeça começou a reorganizar a energia. Por um bom tempo Ayla permaneceu imóvel enquanto Solk ainda se contorcia. Fred e Luca acreditavam que se ele não perdesse a consciência seria possível salvá-lo, mas o Luca não se perdoaria caso perdesse o amigo por sua curiosidade e teimosia em abrir uma passagem.
        A expressão de dor no rosto de Solk permanecia, mas seu corpo se mexia menos, com um espaço de tempo maior entre espasmos de dor. Algumas horas depois, a preocupação dos dois também era com Ayla, que não se movia e parecia em transe.
        - Ela deve estar precisando de alguma ajuda, o que fazemos, Fred? – disse Luca apreensivo.
        - Vamos confiar nela, é o que precisamos fazer.
        O silêncio da casa só era interrompido por alguns gemidos de Solk, que embora parecesse mais sereno, ainda sentia muita dor. Até que Ayla abriu os olhos e baixou as mãos para tocar o braço de Solk.
        - Ele ainda está com muita febre e dores. Não deve acordar ainda, mas sua energia será estabilizada. A energia das pessoas do mundo lógico é muito intensa e carregada. É como se não houvesse equilíbrio, por isso é tão difícil para mim fazer meu trabalho.
        Ayla se levantou com dificuldade, amparada por Fred. Ela havia esgotado as próprias energias para salvar Solk. Luca trouxe um pouco de água e disse:
        - Comigo aconteceu algo semelhante, mas meu corpo não queimava. Era só minha cabeça que doía como se estivesse sendo esmagada repetidas vezes.
        - Ainda não sabemos ao certo o que acontece durante a passagem de alguém de um mundo para o outro. Para mim também é difícil entender a intensidade da energia que vocês carregam, mas agora...por favor...não tente mais isso.
Ayla olhou para o corpo de Solk enfraquecido no chão da casa e respirando com muita dificuldade.
        - Você pode matar alguém, Luca, se não matar a você mesmo.
        Luca sabia que ela tinha razão, e então foi em direção a Solk para vigiá-lo e tentar garantir que nenhum outro mal acontecesse a ele.
        Fred se sentou ao lado de Ayla, preocupado com sua fragilidade após a intensidade do que havia ocorrido e disse:
        - Você precisa descansar minha querida, vá para casa. Não acho que nada mais de extraordinário vá acontecer por aqui.
        - Não sei se ele vai acordar em breve ou se sua energia vai se desequilibrar de novo, é arriscado deixá-lo. Se a temperatura aumentar novamente e eu não estiver por perto ele não sobreviverá.
        - Então você irá descansar aqui em casa, no quarto.
        Os dois foram em direção ao quarto, mas sem que Ayla deixasse de avisar a Luca que qualquer alteração de Solk deveria ser avisada imediatamente. Ele concordou e continuou ao lado do amigo.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Capítulo 10 - Três pontos de vista

        - Eu não existo mais. Eu não existo, Fred...
        O olhar de Luca estava vazio e ele repetia essa frase com pouca força na voz. Era como se precisasse se ouvir para acreditar naquilo que havia visto através da passagem que ainda brilhava na sua frente. A tela iluminada já não importava mais, ele fora apagado do mundo lógico quando fez a passagem para o mundo mágico. A resposta que ele tanto queria veio carregada de decepção e tristeza. Era arriscado, ele sabia desde o começo, mas não imaginava que seria tão doloroso assim.
        - Meu filho, vamos fechar essa passagem de uma vez e esquecer isso, vamos...
        O corpo de Luca não possuia forças para se levantar, mesmo com a ajuda de Fred.
        O silêncio foi quebrado pelo barulho repentino de algo sendo expelido pela passagem e caindo no chão. Antes que eles pudessem entender o que se passou, a imagem de Hadel apareceu na tela. Os dois se olharam rapidamente, mas antes que a passagem se fechasse o jovem pode perceber uma expressão de ódio se formando no rosto do homem.

***

        O alarme do celular de Solk tocou. Ele desligou o barulho com pressa e buscou uma pequena caixa de remédios no bolso.
        - Pílula vermelha, nível de insanidade mais 12.
        Jogou o remédio em um canteiro de plantas enquanto andava de volta para casa. Havia sido liberado mais cedo do trabalho na firma de advocacia onde trabalhava como assistente do assistente do assistente para ir à consulta mensal com o psiquiatra. Era a mesma rotina todo mês, ele só precisava dar as respostas certas e confirmar que continuava tomando todos os remédios. Remédios esses que ele já não tomava há dois anos e havia desistido de pedir para que seus pais parassem de comprar. Era mais fácil continuar fingindo que vivia dopado como eles acreditavam, afinal era assim que eles o tratavam todo o tempo.
        Ao chegar na rua de casa avistou duas vizinhas conversando e pensou com ironia "Lá está a mãe do Luca, que eu inventei". Ele as cumprimentou formalmente e continuou seu caminho se lembrando de todas as vezes em que implorou para aquela mulher lembrar do seu filho que havia sumido. Por mais que todos dissessem que ele era doido, que o tal Luca não existia, eram muitas memórias com o amigo para que pudessem fazê-lo acreditar que de fato havia enlouquecido. Agora era mais fácil fingir que de fato passou um tempo "perturbado da cabeça" e agora era um homem sério e curado.
        Até que um brilho na esquina da rua chamou sua atenção. Ele parou, olhou rapidamente, mas sabia que não era prudente agir assim dado seu histórico, então continuou andando para casa tentando olhar discretamente o que de fato havia na esquina.
        - Não é possível que eu esteja vendo aquele brilho novamente - falou consigo.
        Solk aguardou a rua ficar vazia e caminhou em direção a tela brilhante que flutuava ao lado de um muro alto. Uma parte sua, provavelmente a que havia absorvido a medicação de tantos anos, o dizia para voltar para casa, mas por outro lado havia uma voz que ainda se lembrava de Luca e que o incentivava a verificar o que era aquilo. Ele parou e ficou observando. Era exatamente a mesma visão que ele teve 8 anos atrás, quando viu seu amigo Luca pela útlima vez. Ele hesitou em continuar sua caminhada ao encontro do espelho, mas sabia que se havia alguma maneira de provar que todos estavam errados, era indo até lá. Respirou profundamente e andou com firmeza até o brilho, mas quando estava prestes a entrar em contato com a superfície luminosa alguém, vindo na direção contrária, trombou com ele e tudo ficou escuro.

***

        Le: Cheguei na Rua Cachoeira. Tem duas casas da lista aqui. Acabei de passar pela primeira, mas é quase uma mansão!
        Gu: Seu pai ia adorar saber que você saiu de casa para pelo menos ir para uma mansão, não acha? rsrsrs
        Le: Só se eu fosse morar em uma das mansões dele. E eu espero que ele só descubra que eu pretendo sair de casa quando já estiver instalada e bem longe.
        Gu: Você deveria parar com essa rixa com ele. É seu pai, minha fofa.
        Le:  Meu pai morreu junto com a minha mãe. Esse que ficou é só um egocêntrico que quer me escravizar em uma das empresas dele.
        A menina ajeitou a mochila no ombro enquanto andava devagar e terminava de digitar a mensagem no celular. Olhou para o papel na outra mão em que estavam os endereços das casas disponíveis para alugar. Colocou o celular no bolso, pegou uma caneta na lateral da mochila e colocou na boca. O celular estava vibrando de novo com uma nova mensagem.
        Gu: Que horas você vai pra facul hoje?
        Antes de responder a mensagem ela percebeu que estava nos fundos da segunda casa que deveria visitar, conforme as fotos que viu na internet. Uma casa pequena de esquina, mas com um muro alto que dificultava enxergar seu interior. Continuou caminhando pelo muro para chegar ao portão e baixou a cabeça para responder a mensagem
        Le: Assim que terminar de visit...
        De repente ela levou um esbarrão tão forte que a fez cair, enquanto seu celular era arremessado para o meio da rua.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Capítulo 9 - Do céu ao inferno

        - Ragi, meu querido, você pode parar de grunhir? Ficarei imensamente agradecido e o recompensarei assim que abrir nossa passagem para o mundo lógico.
       Ainda com um sorriso irônico no rosto, Hadel olhou novamente o calendário circular pendurado na parede que marcava o ciclo das sete Eras de Greenfar, enquanto manuseava a água e o fogo, um em cada mão.
        - É chegada a hora de descobrir as verdades da lógica e dessa vez será perfeito.
        Com um movimento rápido, ele fundiu a água e o fogo, formando uma massa opaca que deslizava de uma mão a outra com leveza. Ele a ergueu com a mão esquerda e a contemplou por alguns instantes. Ele sabia exatamente como deveria agir dessa vez. Pegou um pedaço de papel amassado e o colocou no meio da mistura, que se tornou brilhante. A substância se enrijeceu flutuando como um espelho na frente de Hadel. Seu rosto se iluminou com o triunfo e ele mal conseguia se mover, observando, no interior do espelho, a antiga Rua que ele havia avistado sete Eras atrás. Era preciso cuidado para que nada o atrapalhasse dessa vez enquanto ele observava as imensas construções que existiam do outro lado, algumas estáticas e outras maravilhosamente se movimentando sem nenhuma magia.
        - Venha, Ragi, beba você também dessa fonte.
        O javali não saiu do lugar assustado com o brilho que emanava da passagem. 
        - Temos até o final da Era Terra Acima para observarmos tudo, Ragi, e entender como eles utilizam o poder da lógica. Quando eu conseguir unir a magia e a lógica tudo será diferente. Greenfar entrará em uma nova era. Será extremamente prazeroso ver a queda dos Magos da Natureza quando eles perceberem que não são a maior força que existe com todo seu discurso superior de magia, equilibrio e etc.
        E continuou mergulhado na visão do mundo lógico, enebriado por tudo o que via.

***

        A beira do riacho não era o lugar mais seguro para se abrir uma passagem e Luca sabia que Fred já devia estar procurando por ele. Com todo o cuidado, Luca levou a vasilha com a tela opaca para casa. Sarah insistiu em acompanhá-lo, mas ele sabia que era melhor ninguém saber que ela estava envolvida nisso.
        Fred já estava na porta de casa quando o jovem chegou e sua surpresa em ver o que ele carregava o emudeceu. Eles esvaziaram de forma rude a ponta de uma mesa, colocaram a vasilha em cima e por alguns instantes ficaram observando a matéria fluída que havia se formado com a fusão da água e do fogo.
        O ombro de Luca foi tocado pela mão enrrugada de Fred, que se perguntava como Luca havia conseguido realizar a fusão, mas a fragilidade do conteúdo da vasilha era tanta, que não havia espaço para perguntas. Luca acreditava que ele era a chave que abriria a passagem, por ser um elemento que unia os dois lados, então aproximou sua mão hesitante da superfície opaca e se lembrou da primeira vez que tocou algo semelhante, da sua imprudência, do desespero em que deixou seu amigo Solk. Antes de tocar, ele se virou para Fred e disse:
        - Fred, quero que saiba que você é como um pai para mim. Obrigado por tudo.
        Com os olhos cheios de lágrimas, Fred viu Luca mergulhar a mão na vasilha até o pulso.
        Nada aconteceu.
        Luca colocou a mão repetidas vezes na vasilha, mas o único efeito era sua mão ficar embebida na substância gelatinosa. Ele olhou para Fred decepcionado, procurando alguma resposta.
        - Meu filho, você é uma pessoa, não um elemento. Talvez seja isso.
        Luca saiu correndo e voltou com uma caixa empoeirada. Dentro estavam as roupas que ele usava quando chegou a Greenfar. Dessa vez ele pegou um pedaço da camisa com o desenho desbotado de um Pica Pau risonho e mergulhou na vasilha sem receios. Mais uma vez, nada aconteceu. Depois de diversas tentativas, com todos os itens da caixa, Luca arremessou todas as roupas e a caixa para longe derrubando diversos papéis das prateleiras de Fred.
        Mesmo assustado com a reação do jovem, Fred se aproximou dele com carinho para consolá-lo, mas Luca continuava agressivo e entre lágrimas disse:
        - Me deixa sozinho! Na verdade - disse enquanto se dirigia para o livreto de Hadel caído em um canto - eu preciso encontrar a solução naquilo! No maldito livreto daquele monstro!
        Percebendo o descontrole de Luca, Fred se lançou na frente do jovem para pegar o livreto antes, mas ao se levantar sentiu uma fisgada na coluna. Luca o socorreu e enquanto era ajudado a se sentar em uma cadeira, Fred colocou o livreto sobre a mesa de forma displicente, sem perceber que na verdade o estava jogando na vasilha com a fusão da água e do fogo.
        - Fred, me perdoe, você está bem? Eu não queria agir assim...
        A confusão na cabeça de Luca com o fracasso da passagem e agora percebendo o mal que fez para Fred, o fez abraçá-lo com força.
        - Luca, você conseguiu. - disse Fred enquanto ainda abraçava Luca - veja.
        Atrás de Luca, o conteúdo da vasilha flutuava, iluminado.
        Percebendo o que Fred havia feito com o livreto, Luca disse em euforia:
        - Fred! O livreto era a chave! Por isso Hadel havia arrancado uma folha, foi o que ele usou para abrir a passagem!
        - O Povo do Gelo mantem tradições muito antigas, provavelmente de antes da divisão. O livreto deve ter sido forjado com algum desses costumes.
        Luca se sentou lentamente ao lado de Fred ambos agora hipnotizados pela tela brilhante que mostrava um lugar bem conhecido do jovem.
        Rua Cachoeira. Algumas casas com cores diferentes, os postes de luz também haviam mudado, mas era o mesmo lugar. Um carro passou pela rua e era tão diferente dos que ele conhecia. Seu espírito o dizia para mergulhar naquela tela e ver mais, mas dessa vez ele conhecia os riscos. Logo algo chamou sua atenção. Duas mulheres segurando sacolas de mercado iam na direção da antiga casa de Luca.
        - Minha mãe.
        O olhar de Luca misturava saudade e tristeza. Ela estava bonita, mais velha, cabelos mais curtos. Enquanto elas se aproximavam foi possível ouvir o que elas conversavam.
        - Vamos no shopping amanhã? Preciso comprar a roupa da Carol pra festa da escola.
        - Boa ideia, também não comprei a roupa da Tati. Quero minha filha linda nas fotos.
        Luca ouvia as duas rindo orgulhosas de suas filhas quando murmurou:
        - E agora eu tenho uma irmã...Tati...
        Cada descoberta de tudo o que ele não havia vivido o machucava profundamente, até que outra pessoa apareceu na tela. Era um jovem alto que cruzou com as duas mulheres e as cumprimentou. Ele seguia seu rumo para o outro lado da rua quando parou e olhou como se estivesse vendo a passagem. Ele hesitou, olhou para os dois lados, mas continuou seu caminho. Quando já não era possível vê-lo as duas mulheres continuaram a conversar.
        - Nunca descobriram o que aconteceu com esse menino, não é?
        - Uma pena, mas não. Acho que ele continua tomando medicamentos, mas pelo menos não insiste mais que eu tenho um filho.
        - É normal crianças terem amigos imaginários, mas não como aconteceu com Solk por tantos anos. Até hoje me lembro do dia em que internaram ele, quando ele gritava na sua porta o tal do Luca. Que desespero. Coitada da mãe dele...
        - Agora ele é um jovem começando a vida, bonito, mas a vida com medicamentos não é fácil.
        - É verdade, mas tenho que preparar o almoço das meninas. Trago a Tati para casa no final da tarde, está bem? Ainda devem estar brincando com as bonecas novas.
        As duas se despediram e entraram em suas casas. A rua ficou vazia, assim como o coração de Luca. Ele não existia mais no mundo lógico. Ele havia morrido e acabava de receber essa notícia junto com a notícia de que seu melhor amigo era considerado louco por sua causa. Agora sim ele queria morrer de verdade.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Capítulo 8 - A porta

        Luca não conseguiu dormir pensando em tudo o que deveria fazer no dia seguinte. Ele sabia que a fusão entre a água e o fogo não era algo simples. Somar esses dois elementos sem que se anulassem requeria domínio de energia e magia, e essa segunda habilidade ele não possuia. As palavras de Ayla o ensinando sempre ecoavam em sua mente "Primeiro a sensibilidade energética, que você já possui, depois a habilidade de transferir energia de um objeto para outro, o que você não consegue dominar por completa falta de concentração..." Ele conseguia perceber muito bem a energia a sua volta, mas "mexer" com a energia, como Ayla fazia ao acalmar um corpo febril ou estimular o crescimento das flores, era outra história. Agora era o momento de reunir toda a concentração que pudesse para abrir a passagem, mas ainda faltava o componente mágico e ele sabia exatamente quem poderia ajudá-lo.
        As duas únicas pessoas que sabiam sobre a passagem eram Ayla e Fred, que também não dominavam magia, mas havia uma pessoa, extremamente confiável, que poderia ajudá-lo. Apesar de ser um pouco difícil para Luca pedir favores para Sarah, ele sabia que era a única saída.
        Ainda estava escuro quando Luca chegou até a janela do quarto de Sarah e assobiou imitando um pássaro. Foi preciso repetir o som três vezes até que a jovem abrisse a janela e o olhasse com sono e surpresa.
        - O que houve, Luca? Ainda está escuro!
        - Eu sei, eu sei, mas preciso da sua ajuda e se possível antes que o Sol se levante.
        A menina fez um sinal indicando que iria encontrá-lo e fechou a janela. Luca sabia que não era certo pedir favores para Sarah sabendo que ela jamais negaria, mas sua necessidade de respostas era maior. A filha mais velha dos Trinid logo apareceu e eles caminharam até a entrada do bosque onde não seriam importunados. Luca precisava explicar para Sarah seu plano e convencê-la a participar.
        - Luca, você endoidou. Eu entendo a sua ânsia por entender o que se passou, mas olhe a sua volta. Você é feliz aqui, o Fred é como um pai, todos te adoram e eu...você sabe que pode contar comigo, mesmo não sendo da forma como eu gostaria.
        Ele sabia que esse assunto viria a tona, mas antes que ele tivesse que explicar novamente para Sarah que, apesar das tentativas de ficarem juntos, ele só a via como amiga, ela falou:
        - E você não precisa explicar nada de novo. Mesmo que você fosse mudo, você sabe que toda mulher sabe quando existe ou não o sentimento.
        Luca sempre esquecia que em Greenfar a intuição feminina era algo tão presente que era quase possível tocá-la.
        - Eu entendo tudo isso, Sarah. Fred também tentou me convencer do contrário, mas ele percebeu que é algo que eu preciso tentar com ou sem a ajuda de vocês. Você topa?
        - Topar o que? Você já falou de passagem, livreto, lendas, mas não disse em que precisa da minha ajuda.
        - Preciso da sua magia. Preciso que você me ajude a fundir água e fogo sem que eles se anulem.
        Sarah o olhou com espanto.
        - Luca, a cada instante eu acho que você enlouquece mais. Isso pode gerar desequilibrio, fora que nem deve ser permitido a não-magos. E seria preciso também controle de energia.
        - Dessa parte eu me encarrego. Por favor, me ajude! Só vamos tentar, pode ser?
        - Olha, eu vou acreditar que o Fred e a Ayla estão sabendo, está bem?
        Os dois pegaram uma grande vasilha de barro e foram até a beira do riacho, onde acenderam uma fogueira. Luca acreditava que com a ajuda de Sarah, a fusão seria simples, mas ele se enganou.
        - Luca, se você não estabilizar a energia dos dois elementos será impossível! De que adianta eu unir a água e o fogo, se você não consegue manter a energia deles em equilibrio?
        O dia já havia nascido e Sarah já estava entediada de erguer o fogo com uma mão, erguer a água com a outra, uní-los sobre a vasilha e nada funcionar. Luca tentava se concentrar de todas as formas possíveis, mas nada adiantava. Em alguns momentos parecia que funcionaria, mas logo só restava fumaça.
        - Você não acha que é um sinal para desistir, Luca? Não somos Magos para fazer isso.
        Luca então se sentou perto de um tronco e quando Sarah pensou que finalmente ele desistiria dessa loucura, percebeu a dor que esse fracasso trazia para ele. Talvez não estivesse funcionando não por ele, mas pela descrença dela. A jovem sentou-se ao seu lado, trouxe a vasilha para a frente dos dois e ergueu um pouco de água na altura dos olhos.
        - Vamos com calma, está bem? Tente estabilizar somente a água.
        Luca olhou para a esfera de água na sua frente, mas para ele o fracasso era tão concreto que só restava a serenidade do conformismo. Até que a esfera parou de se mover e ficou completamente estática flutuando. Com um movimento muito sutil, Sarah ergueu uma chama de fogo ao lado da esfera de água. A crepitação quase tirou a concentração de Luca e ele hesitou em estabilizar o fogo, com receio que o avanço com a água se perdesse. Após alguns instantes, o jovem fechou os olhos e não mais ouviu o crepitar do fogo. Se esse era um sinal de que ele havia estabilizado o fogo e a água, Sarah agora deveria unir os dois elementos em um só. Então ela sussurou:
        - Luca...olhe.
        Ao abrir os olhos, o rapaz ficou imóvel quase sem respirar observando o espelho líquido que havia se formado dentro da vasilha. Era exatamente igual a "tela"que ele havia visto na rua, no dia em que chegou a Greenfar, só que sem brilho, opaca. Aquela era a porta da passagem, agora ele precisava da chave.      

domingo, 12 de agosto de 2012

Capítulo 7 - Códigos decifrados

        Luca já estava há horas na casa de Ayla decifrando o livreto de Hadel e fazendo inúmeras anotações sobre o que era possível desvendar após Smarilion o ajudar com a ilusão que tornava o livreto legível. Quando terminou, percebeu a ausência de Fred.
        - Ayla, terminei. Pelo menos o que eu consegui entender sozinho, mas preciso da ajuda de Fred, onde ele está?
        Enquanto terminava de limpar alguns panos sujos de sangue da extração bem sucedida de um pré-molar, a senhora respondeu:
        - Voltou para casa para preparar algo para vocês comerem a noite, você não o ouviu quando ele o avisou?
        Antes que pudesse perguntar o que ele descobriu com a análise, Ayla ouviu a porta se fechar. Luca já havia saído para falar com Fred. No caminho, o jovem percebeu que havia esquecido completamente da troca com as aldeias de cima, e que havia dito a Oli que acompanharia os homens. Mudou seu rumo para a casa dos Trinid e encontrou com Sarah no meio do caminho carregando uma cesta de frutas que havia acabado de colher no bosque.
        - Sarah! Onde está seu pai?
        - Os homens ainda não voltaram das aldeias de cima. Você deveria ter ido com eles, não?
        - É, mas tive outras...hum...tarefas importantes para fazer.
        - Apesar da algazarra que Alis causou de manhã, percebi que você estava ansioso com algo.
         Ele percebeu que a jovem logo o perguntaria o que estava acontecendo e apesar de confiar nela, não deveria contar.
        - Por favor, peça desculpas a seu pai por eu não ter ido, está bem? Obrigado!
        E deixou a moça o olhando intrigada enquanto ele corria na direção de casa.


        A sopa já estava colocada na mesa quando Luca entrou em casa carregando um monte de papéis com anotações e desenhos. Fred observou pacientemente enquanto Luca distribuia tudo pela mesa, ignorando a tigela de sopa quente que Fred havia colocado para ele.
        - 93 folhas usadas, 14 folhas em branco, 581 tentativas diferentes, incluindo variações de um ingrediente ou outro, 19 símbolos que eu nunca vi, uma página arrancada...
        Fred o interrompeu serenamente:
        - Acalme-se, meu filho. Entendo sua pressa em resolver isso, mas vamos do começo.
        As mãos enrrugadas do senhor pegaram o livreto e ele indicou um grande rabisco que havia na parte de trás do objeto.
        - O que era isso?
        - Um símbolo que eu não conheço, o desenhei em algum lugar...aqui.
        Luca mostrou um papel com um símbolo simples composto por quatro linhas. A primeira era horizontal, com duas pequenas curvas acentuadas. Da ponta das duas curvas, duas linhas retas desciam na vertical e a quarta linha era uma reta, paralela a linha curva, mas tocando a ponta das duas linhas verticais.
        - É o símbolo do Povo do Gelo, Luca. Veja, é a ponta de uma geleira. Esse livreto veio de lá, o que me deixa bastante surpreso já que eles ficam foram da Grande Ilha de Greenfar. Hadel viajou muito para encontrá-los. Eu mesmo só fui uma vez até essa região, já que seu acesso não é fácil. Além disso, eles possuem costumes muito diferentes dos nossos. Dizem que, por estar mais ao Norte, é o povo mais próximo dos deuses. Sua crença neles é muito forte, mas diferente de nós, poucas pessoas dominam magia.
        - Faz muito sentido isso! Se eles acreditam tanto nos deuses devem estar mais ligados às lendas antigas, como diz no texto atrás da capa. É a única inscrição não manuscrita e sim gravada com algum material que eu não identifiquei.
        Luca pegou outra folha e mostrou para Fred a cópia de mais uma parte rabiscada do livreto:

        "Somos aqueles que Os respeitam
         Somos aqueles que Os veneram
         Somos aqueles que Os temem
         Somos aqueles que Os agradecem
         Devemos a Eles a piedade da cisão
         E a gratidão por tudo o que nos cerca"

        Fred continuou observando o livreto, passou os dedos pelas folhas em branco e aproximou o objeto de seu nariz. Luca o olhava curiosamente.
        - É feito de um tipo de folha muito comum, praticamente encontrada em qualquer lugar, mas algo na sua confecção não me parece comum. Deve ser alguma técnica do Povo do Gelo que desconheço. Mais alguma outra anotação sobre a origem do livreto?
        - Mais nada. E acho que a origem do livreto é o de menos. Existem anotações de diversos lugares. Nunca agradeci tanto seu esforço em me dar aulas sobre Greenfar quando cheguei.
        Luca olhou Fred com cumplicidade e mostrou uma lista de nomes de regiões e povos que ele havia encontrado nas anotações de Hadel, junto com trechos de cantigas, lendas e histórias que faziam referência a divisão dos mundos. Fred ficou muito espantado.
        - Estou impressionado que essa história seja encontrada em lugares tão diferentes e de maneiras tão distintas.
        - Mais impressionante do que isso é a quantidade de itens que ele usou nas tentativas. Eu não conheço nem metade de tudo o que ele utilizou tentando abrir uma passagem. A cada nova pista encontrada, ele interpretava todos os significados que pudesse ter e buscava o que se encaixasse. É doentio.
        Fred se surpreendia cada vez mais com tudo o que lia.
        - Luca, você sabe o que é uma Imperatriz do Deserto?
        - Não faço ideia do que é. Só sei que ele a cortou em 3 partes para poder utilizar mais de uma vez.
        - Filho, essa é uma flor rara, eu diria mitológica. Se ele conseguiu encontrar uma e ainda a partiu em 3 partes fico realmente preocupado com o que ele pode estar fazendo hoje. Se foi com isso que ele abriu a passagem, será impossível encontrarmos...
        - Essa é a melhor parte, Fred! As últimas anotações vieram depois desse trecho:

"Não se deve jamais tentar separar o que os deuses uniram, 
Assim como também não se deve unir aquilo que os deuses separaram
é como desejar a morte e o desequilibrio do todo
Isso só pode ser feito fundindo opostos de forma que se somem e não se anulem
E com um elemento que naturalmente possua uma parte de cada um dos lados"

        - São só dois elementos, Fred! Os opostos e um que possua uma parte de cada lado. - disse Luca muito animado.
        - E as três primeiras frases você resolveu ignorar, não é mesmo?
        Luca o olhou com reprovação e Fred suspirou com pesar. Os riscos dessa busca já estavam claros desde o começo, embora Fred, em seu íntimo, sempre se questionasse sobre continuar ou não. Luca ignorou o comentário de Fred e prosseguiu:
        - Depois de muitas fusões, ele passou a usar somente água e fogo. E assim foi até a última anotação.
        - E o que ele usou como segundo elemento, o que possui uma parte de cada lado?
        - Ele tentou muitas coisas que talvez tivessem ligação com os dois mundos, mas ele não anotou o que usou por último. É uma frase incompleta. Talvez ele tenha anotado na página que arrancou, mas isso não importa porque EU sou um elemento dos dois mundos. Vivi lá e agora vivo aqui. Precisamos tentar o quanto antes!
        Fred percebeu que Luca estava caminhando no seu objetivo de abrir uma passagem para o mundo lógico e sentiu um frio na espinha. Ele tentou pensar em algo que pudesse impedí-lo de continuar, mas não havia mais volta, ainda mais com o livreto desvendado. E principalmente com Luca achando que ele era a chave para a passagem ser aberta.
        - Luca, posso te fazer um pedido?
        - Claro, Fred.
        - Podemos deixar isso para amanhã? Tome sua sopa e descanse. Por favor.
        Não havia porque deixar para o dia seguinte, mas Luca sabia que Fred precisava de um tempo para digerir os acontecimentos e as descobertas. Valia a pena controlar a ansiedade por Fred.
        - Está bem, amanhã cedo começo.
        E bebeu com gosto a sopa fria.